sexta-feira, março 19, 2010

VELÓRIO

Para um jornalista, tem coisa mais enfadonha, constrangedora e chata do fazer a cobertura jornalística de um velório? Claro, o velório do Ayrton Senna, por exemplo. Não deve ter sido nenhum pouco interessante de se cobrir, pelo óbvio, mas pela repercussão deve ter valido o trabalho. Reconhecimento, entre outros aspectos interessantes.

Mas enfim, um velório qualquer, de uma personalidade sem um destaque nacional ou internacional é realmente algo que me chateia. Sério! Você chega com o cinegrafista e o seu microfone em punho (no caso de trabalhar para uma emissora de TV), no caso de outros colegas de profissão, gravadores, blocos, canetas e curiosidade. Mas que tipo de abordagem fazer. Claro que não estou aqui pregando que essas pautas não mereçam destaque. Só acredito que não mereçam tanta ênfase. Destaque ou não, o que quero dizer é que nada é mais constragendor para um jornalista do que chegar em um velório de uma pessoa que você não conhece. A família está ali, ao redor do caixão naquele clima de total consternação pela recente perda, etc. e tal e você ali. Pensando no que vai perguntar para deixar a sua matéria interessante.

Aí o profssional pensa: - não posso perguntar o que o entrevistado está sentindo. Isso é óbvio! Também não posso perguntar qual o sentimento? Seria ridículo. Imageinem a resposta do tipo: - sinto uma felicidade enorme por esse momento. Talvez, o que o tal falecido significou para a história deste país, estado ou cidade. Isso, é isso! Vai ser isto mesmo. Inflo o peito, tomo coragem e vou em frente certo de que não vou receber nenhuma resposta óbvia.

Aí as respostas saem todas iguais. Parece que combinaram. Parace que o diretor daquela "cena", ato ou como queriam definir um velório teve um diretor de cena, de fotografia, um roteirista (que por infelicidade distribuiu o mesmo texto para todos que ali estavam). Resumindo, um porre!

Permaneço ali, por mais alguns minutos, pois preciso cumprir o meu dead line, envergonhado, mas observando para ver se algo inusitado acentece. Mas que tipo de algo inusitado poderia acontecer em um velório. O morto levantar? Acordar? Se mexer? Ressucitar? Isso! Perfeito! Imaginem que matéria boa eu faria se isso acontecesse?

Caraca! Como não tinha pensado nisso antes. Cruzo os dedos, faço figa e começo a minha torcida para que, de solvanco, abruptamente, o morto ali vire ex-morto. As horas passam e tchanammmmm!!! .........

Nada. Nenhuma inflada de ar no pulmões já desfalecidos do vivente, ou melhor, ex-vivente. Por que penso isso? Quem está lendo não deve estar entendendo nada deste post. Devem estar pensando que sou um álacre jornalista, que fica tirando onda das desgraças alheias. Ou um lúmpmen sem noção de absolutamente nada.

Por favor! Não pensem isso. É que estou no mais sentimento de tristeza. Por estar ali, tendo que divulgar o fim da vida de alguém, sabe que mais cedo ou mais tarde serei eu ali também e me metendo em algo da qual não faço parte. Vida de jornalista é dura gente. Mas é exatemente nesse momento que começo a reparar então nas pessoas que ali estão velando o corpo. Era, inicialmente, para todos estarem triste, ou não?

Alguns sorriem, falam como se nada tivesse acontecido e alguns familiares ali. Inertes, congeladamente incrédulos. Outros, falam da vida, das viagens, do trabalho, até surge uma lembrança do morto lá pelas tantas....

Mas vamos às origens. Velório: do espanhol velorio. Ato de velar, com outros, um defunto. De passar a noite em claro na sala onde se encontra exposto um morto.

Mas poucos ali estão fazendo isso. Então, penso: - quer saber? Vou fazer perguntas óbvias e azar das respostas. Tem gente ali que só está para mostrar que, talvez se importa com a morte do morto. Ao que me surpreendo. Em uma das respostas identifico que tem gente ali que mal sabia quem era o morto. Pergunto qual o significado dessa perda e vejo o entrevistado tremer, gaguejar, titubear.

Ah! já sei porque ele estava ali. Pela morte, claro, mas porque em outubro tem eleições.